Dilma brinca com os lobos do Cogresso movida pela ilusão de que lida com gatos domesticados
Josias de SouzaDilma Rousseff, informam seus auxiliares, aprendeu uma lição no seu primeiro Waterloo no Senado. Não ficou muito claro para o condomínio governista qual foi o aprendizado. É como na história do menino que gostava de puxar o rabo do gato.
Um dia o gato deu uma mordida no menino. E ele aprendeu a lição. Na vez seguinte, o menino deu uma cacetada na cabeça do gato antes de puxar o rabo. O que fará Dilma nas próximas vezes?, eis a dúvida que embatuca os “aliados”.
A maioria dos governistas acha que Dilma respondeu ao recado do Senado com outro recado: às favas com todos os pruridos políticos. Há apoiadores rebeldes no plenário? Cacetada neles!
A troca dos dois líderes –Jucá no Senado e Vaccarezza na Câmara— espalhou no Legislativo um rastilho de rancores. Dona da caneta, Dilma fez o que bem quis. Nem por isso livrou-se do risco de outras derrotas. Ao contrário, potencializou-o.
Pela nova lógica que passou a conduzir os movimentos do Planalto, sob influência da ministra Ideli Salvatti, isso só quer dizer que o que falta para garantir as vitórias legislativas é a permanente ameaça de reações radioativas. Na próxima vez…
Meio zonzos, os comandantes da infantaria congressual crêem que a lição do apagão do Senado deveria ter sido outra. Dilma olharia ao redor e se daria conta de que a causa do curto-circuito está na cozinha do Planalto, não no Congresso.
A base da coligação atual é a mesma que deu suporte a Lula, só que ampliada. Carrega as mesmas virtudes (poucas). São idênticos também os vícios (muitos). Ao absorver a mega-aliança que se formou na eleição de 2010, Dilma sinalizara que jogaria o jogo.
Significa dizer que não teria ministros, mas auxiliares capazes de saciar os apetites dos partidos e providenciar os votos. O consórcio treme porque não se sente suficientemente atendido nas verbas, nos cargos e no prestígio. Pior: avalia-se que Dilma entrega ao PT a mercadoria que sonega aos demais partidos.
Ao servir ressentimento a aliados que pedem os privilégios de que se julgam credores, Dilma produz isolamento, não unidade. Se desejava governar como freira, deveria ter sacado sua castidade no instante em que Lula a levou para passear no bordel.
A tática de Dilma parte de uma premissa falsa. Coisa de política neófita. Onde a presidente enxerga felinos domesticados não há senão feras criadas. Lobos e raposas já farejam os próximos movimentos do porrete. E não se dispõem a oferecer graciosamente nem a cabeça nem o rabo.
No Senado, Dilma entregou a liderança que era exercida desde sempre por Romero Jucá a Eduardo Braga, senador de primeiro mandato. No câmbio oficial, um pemedebê por outro. No paralelo, um novo líder que se aparelha para presidir o Senado e desafia a proeminência de Renan Calheiros e de José Sarney.
Na Câmara, Dilma substituiu Cândido Vaccarezza por Arlindo Chinaglia. No oficial, seis por meia dúzia, um petê por outro. No paralelo, um novo líder que é visto pelos colegas como cultor do sonho de voltar à presidência da Câmara.
Na guerra fria inaugurada por Dilma, ficou entendido que foi armada no Planalto uma bomba atômica: ou o PMDB se enquadra ou o governo moverá céus e terras para impedir que a legenda obtenha em fevereiro de 2013 o comando simultâneo das duas Casas legislativas.
Como não pensa noutra coisa senão em tornar-se novamente o mandachuva do Senado, Renan cuidou de informar que não está morto. Com a rapidez de um raio, valeu-se da prerrogativa de líder do PMDB para converter o “desalojado” Jucá em novo relator da Comissão Mista do Orçamento Geral da União.
Henrique Eduardo Alves, líder do PMDB e candidato à presidência da Câmara, também apressou-se em reavivar da tribuna a memória do Planalto e do petismo. Lembrou que PT e PMDB celebraram um acordo.
Prevê que, saindo o petê Marco Maia, vai ao painel de controle da Câmara um pemedebê. Henrique absteve-se de dizer, por desnecessário, que falava em causa própria. É algo que ninguém ignora.
Henrique também recordou que o contrato atual é mera renovação de outro. Firmado na legislatura passada, o primeiro acerto teve Chinaglia como beneficiário direto. Na época, ele revezou-se na presidência da Câmara com o atual vice-presidente da República Michel Temer.
Quer dizer: levando sua tática às últimas consequências, Dilma arrisca-se a converter o Orçamento de 2013, a ser votado em dezembro de 2012, numa peça tóxica. E comprará uma briga com Henrique, com o pacato Temer e com um PMDB que, embora trincado, costuma unificar-se em tempos de guerra.
De resto, a troca de líderes, idelizada como remédio contra a divisão, terminou resultando numa soma cujo resultado foi menos zero. Onde havia apenas divisão parcial agora existe desconfiança generalizada.
De cabelos hirtos, os aliados enxergam na movimentação de Dilma, tida por amadora, as digitais de Ideli, definida como primária. Eduardo Baga, o novo líder do Senado, integra o chamado G8, grupo de senadores “independentes” do PMDB.
Imaginou-se que, sob a nova liderança, os “independentes” se reposicionariam em cena. Tolice. Jarbas Vasconcelos alinhado ao Planalto? Nem a porretadas. Pedro Simon sem acidez na língua? Pode esquecer. Roberto Requião no cercadinho? Impensável.
Ou seja: além de não dissolver a independência, o Planalto levou os dependentes às armas. Numa brincadeira de corredor, Eduardo Braga disse que já providenciou um “colete à prova de balas”. Nada poderia ser mais acertado. Abriu-se o paiol.
Na Câmara, a ascensão de Chinaglia foi recebida com dezenas de pés atrás. A sessão que entrou pela noite desta terça (13) foi dedicada à despedida de Vaccarezza e à recepção do novo líder.
Coube ao ex-petê Chico Alencar, hoje um combatente do PSOL, traduzir a cena. Impressionado com a enxurrada de elogios ao líder deposto, disse que, se Dilma tivesse ouvido seus aliados, jamais teria dado a “rasteira” em Vaccarezza.
Chinaglia assume sob o signo da desconfiança num instante em que o condomínio arma uma cilada para o governo no Código Florestal. A primeira providência do novo líder foi requerer o adiamento da votação.
Quem olha Dilma a partir das arquibancadas fica com a impressão de que ela responde à chantagem dos aliados com altivez e espírito público. Quem a observa a partir dos plenários da Câmara e do Senado tem a percepção de que a presidente escala o cadafalso acenando para a platéia.
O relacionamento do governo com seu condomínio precisa, não é de hoje, pegar um ar fresco. Mas a lição dessa penúltima crise deveria ser a de que a premissa sobre a qual Dilma ergueu os alicerces políticos do seu governo é feita da mesma matéria prima usada por seus antecessores: o cinismo.
É um pouco tarde para corrigir o erro. Agora, ou Dilma entrega o que lhe exigem os lobos e as raposas ou vai colecionar derrotas legislalivas em conta-gotas. Uma aqui, outra acolá. Pior: arrisca-se a chegar em 2014 assistindo à derrocada do seu projeto reeleitoral e descobrindo que aprendeu a lição errada.
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