Surgiu no último debate presidencial do primeiro turno um novo agrupamento político: o MSV, Movimento dos Sem Voto. Convertidos pelo eleitorado em coadjuvantes da corrida presidencial, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Marina Silva, Henrique Meirelles e Alvaro Dias se uniram num esforço para tentar despolarizar a sucessão. Tarde demais. Horas antes, a mais recente pesquisa do Datafolha reforçara a tendência de definição da disputa num mano a mano de segundo turno entre Jair Messias Bolsonaro e Fernando ‘Lula’ Haddad.
Lula e Bolsonaro, embora pairassem como espectros sobre os estúdios da Globo, não estavam presentes. O primeiro continua preso, em Curitiba. O segundo, beneficiado pelo álibi de um atestado médico, trocou o lufa-lufa do debate global por uma entrevista-companheira no telejornal da Record, emissora ligada ao autoproclamado bispo Edir Macedo, seu apoiador. Marina ofereceu aos espectadores desavisados a oportunidade de acionar o controle remoto. Bolsonaro “amarelou” e está dando entrevista à Record, ela avisou.
Quem mudou de canal teve a oportunidade de assistir ao empenho de Bolsonaro para se manter no topo do ranking das opções anti-PT. Os médicos do Albert Einstein proibiram Bolsonaro de debater na Globo porque ele mal conseguiria falar por dez minutos. Na Record, o paciente tagarelou por 25 minutos. A cenografia incluiu três intervenções de um enfermeiro.
O PT “mergulhou o Brasil na mais profunda crise ética, moral e econômica”, ele atacou. Na campanha, prosseguiu Bolsonaro, “tudo é conduzido de dentro da cadeia pelo senhor Lula, que indica aí um fantoche seu chamado Haddad, que por incompetência sequer conseguiu passar para o segundo turno de sua reeleição em São Paulo.”
Noutro instante, Ciro ecoou Marina, queixando-se da fuga de Bolsonaro para a Record. Mas a atração já havia mudado no canal concorrente. O risco àquela altura não era mais o de direcionar eleitores para Bolsonaro, mas de perder audiência para ‘A Fazenda’, uma espécie de versão rural do Big Brother.
As críticas à polarização ecoaram durante todo o debate da Globo —da pergunta inaugural às manifestações finais. Sorteado para fazer a primeira indagação, Ciro escolheu inquirir Marina. Levantou a bola para que a ex-colega de governo Lula desancasse o duelo Bolsonaro X Haddad. “Se essa guerra permanecer”, disse ela, “o Brasil vai ficar quatro anos em situação de completa instabilidade”. E Ciro: “O que está em jogo aqui não é paixão partidária ou ódio. Sou ficha limpa e tenho projeto.O Brasil precisa construir um novo caminho”.
O ataque coletivo dos sem-voto aos dois extremos da polarização, especialmente a Bolsonaro, chegaram com pelo menos cinco anos de atraso. Deve-se a ascensão do capitão à falência do sistema político. A sociedade sinalizara sua impaciência ao ocupar o asfalto na célebre jornada de junho de 2013. O retrovisor mostra que os coadjuvantes de 2018 não entenderam o ronco do asfalto.
Ciro continuou massageando Lula. Aderiu à tese petista de que a condenação por corrupção e lavagem de dinheiro foi motivada por perseguição política. Alckmin enferrujou junto com o tucanato paulista. A inação do PSDB diante do mergulho de Aécio Neves na lama agravou a oxidação que levou Bolsonaro a ocupar o posto de anti-PT. Marina tomou chá de sumiço depois da derrota de 2014. Logo ela, que fora a grande vítima da polarização tucano-petista da sucessão passada. Difícil reverter a menos de 72 horas da eleição um sentimento de ódio e desalento que foi construído ao longo de cinco anos de reações equívocadas.
JOSIAS DE SOUZA
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