quarta-feira, fevereiro 23

As ciências de Chico Cocada

 

Foto: Blog Pendências News 

O popular Francisco Rocha, mais conhecido como Chico Cocada, nascido em 28 de abril de 1928, foi um agricultor, operário das salinas e também candidato a vereador no município de Carnaubais nos anos 1980, o que não logrou êxito. Mas, foi a partir de outras habilidades que Chico Cocada se destacou, sendo considerado um dos maiores curandeiros e videntes em terras potiguares, tendo concentrado seu trabalho nas terras fronteiriças entre os municípios de Carnaubais, Pendências e Porto do Mangue, especificamente na comunidade do Logradouro, que atualmente foi incorporada a este último município, cuja população estimada é de pouco mais de seis mil habitantes. Mesmo assim, a sua fama irradiou por todo o Rio Grande do Norte e por outros estados do país, considerando as filas que se faziam em sua porta antes das 6h da manhã até às 17h da tarde, horários que realizava atendimentos de forma gratuita.

Suas habilidades curativas e adivinhatórias se aproximam das de Frei Damião [em processo de beatificação], e também do curandeiro Pedro de Quinca, com atuação na Mutamba da Caeira, na Várzea do Açu, e fazem parte do imaginário popular da região. Seu Pedro de Quinca, por exemplo, era famoso por realizar suturas espirituais nas carnes ditas remosas e vítimas de traumas, sempre sobre a recomendação de ter fé na cura e não ingerir alimentos carregados para uma boa recuperação. “Uma menina toda ‘entirnada’ e cheia de chagas foi levada até Frei Damião e foi curada”, foi o que relatou dona Maria Maxixe, acerca de uma das visitas do frade italiano radicado no Brasil ao Vale do Açu, muito provavelmente por volta dos anos 80, numa de suas missões no RN. A moléstia vinha sendo investigada pela comunidade do Martins, na várzea do Assú e que, supostamente, era originária de um pacto com o demônio feito pelo pai da menina em busca de riquezas. Em troca, a pureza de sua filha foi ofertada à entidade, que passou anos acorrentada e suja num quarto do casarão às margens do rio Piranhas-Açu, até que foi curada por Frei Damião.

Coincidentemente ou não, Chico Cocada e Frei Damião estiveram frente a frente em uma dessas visitas, tendo aquele sido orientado pelo mítico Frei, que tem sua imagem sempre associada a uma batina marrom, aos moldes de São Francisco de Assis, numa clara associação aos votos de pobreza e defesa dos menos favorecidos e enfermos. Chico Cocada, então, encorajado e inspirado por Frei Damião, continuou os atendimentos sem cobrar por isso, somente colocando uma urna em sua sala para aqueles que, voluntariamente, quisessem deixá-lo alguma contribuição. Além disso, em uma das únicas fontes escritas sobre Chico Cocada, na Revista Pátria Varzeana (Junho de 2021, nº 4), consta aviso confeccionado em cartolina que ficava na porta do casarão de taipa em que viveu o vidente: “Sou curador e não profeta. Não sou cientista, não sou doutor. Adivinha só Deus”.

As palavras escritas na porta do vidente que, com certeza, não foram escritas por seu próprio punho, já que ele era analfabeto perante às ciências formais expressam certa modéstia, já que as suas ciências são inquestionáveis, e estão firmadas nos saberes populares, na utilização racional de ervas naturais, por meio da indicação de remédios a base da experiência caseira, como chás, xaropes, lambedores, complexos vitamínicos extraídos de cascas, folhas ou raízes de árvores nativas.

Outro fato pouco explorado sobre Chico Cocada, é que ele nasceu na comunidade do Porto Piató, margeada pela Lagoa do Piató que, juntamente com o entorno das fronteiras entre o Assú e Paraú, segundo o pesquisador e antropólogo José Glebson Vieira da UFRN, vem sendo especulados como sendo locais de resistência indígena dos Caboclos ou “Tapuias”, tendo como possível matriarca a caboquinha Luíza, tida como a “mãe veia caboca”, e indicado como palco de conflitos como a “Guerra dos Bárbaros” ou “Guerra do Assú”. O que talvez se possa, em pesquisas futuras, averiguar a relação de Chico Cocada com os Caboclos ou até mesmo outras etnias presentes na região do Assú, como os “janduís”, conforme nos lembra o historiador e cordelista assuense Ivan Pinheiro, de modo a justificar e entender a sua proximidade com os saberes da natureza, tipicamente vivenciados nas cosmovisões dos povos originários.

Chico Cocada se encantou aos 04 de maio de 2011, aos 83 anos de idade, em sua casa na comunidade do Logradouro, em Porto do Mangue/RN, mas, a sua atuação como curandeiro ainda reverbera no imaginário social do Vale do Açu. O homem que via a vida dos outros diante de três espelhos acomodados sobre um livro de capa preta parece ter muito a nos ensinar sobre fé, natureza, e sobre todas as suas ciências.

Por: Pedro Henrique Farias

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