
Em tempos de polarização, escândalos de corrupção e crescente descrédito da classe política, cresce a ideia de que apenas a intervenção militar poderia recolocar o país nos trilhos. Recentemente, a fala do general Antonio Hamilton Mourão sugerindo a intervenção para “solucionar o problema político” causou forte repercussão, com ataques e defesas. A imagem de “ordem” que a ditadura promete, contudo, está longe de ser a realidade, alertaram historiadores. Durante a ditadura, o Brasil ficou em primeiro lugar no ranking de desigualdade social do mundo. O grande legado econômico deixado, além da ausência de políticas públicas e sociais, foi o forte processo inflacionário em ascensão. A crise da dívida externa desestruturou profundamente a economia brasileira, e seus resquícios são vividos até hoje pelos brasileiros. Como se não bastasse, a corrupção seguia silenciosa, com a imprensa e os órgãos fiscalizadores amordaçados e até mesmo inexistentes.
O historiador Pedro Henrique Campos afirma que muitas das grandes empreiteiras – envolvidas em escândalos da Lava Jato hoje – se beneficiaram de relações especiais com o Estado desde seu surgimento entre as décadas de 30 e 50. O pagamento de propinas, entretanto, se consolidou durante a ditadura.
Ele pesquisou a fundo os laços dessas empresas com o regime militar em sua tese de doutorado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), que deu origem ao livro Estranhas Catedrais.
“Temos menos exposição pública da corrupção naquele período. Os mecanismos de fiscalização e controle sobre isso não funcionavam bem ou alguns nem existiam, como o próprio Ministério Público. Além disso, os movimentos sociais eram reprimidos e a mídia estava sob mordaça. O serviço de espionagem verificava e acompanhava casos de corrupção, mas não trazia à tona. Era um ambiente muito mais propício do que os dias atuais. As ilegalidades e irregularidades eram muito maiores naquele período”, disse Campos.
O historiador explica que os escândalos da época têm a ver, em grande parte, com a disputa empresarial, exatamente como acontece hoje.
“A ditadura foi um governo que alimentou muito alguns setores privados. Não foi conduzido apenas pelos militares, foi empresarial-militar. O empresário favorecido por ela cresceu muito ao longo daquele período no acesso ao Estado e poder econômico e político”, completou Campos, lembrando que logo após o golpe houve uma série de medidas impopulares que retiravam os direitos dos trabalhadores, a fim de favorecer empresários.
“Essa ordem defendida por uma parcela da população era, na verdade, mediante uma repressão muito violenta aos trabalhadores, em benefício desses autores que eram os principais articuladores da ditadura”, finalizou.
Jornal do Brasil
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