terça-feira, fevereiro 11

Mais de duas dezenas de ONGs brasileiras receberam R$ 267 milhões da Usaid


Foto: Pete Kiehart/Washington Post via Getty Images

A agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) destinou a dezenas de organizações não governamentais, instituições e projetos no Brasil, incluindo ações envolvendo o governo federal, ao menos US$ 44,8 milhões – cerca de R$ 267 milhões considerando a cotação atual da moeda americana – nos anos de 2023 e 2024, segundo dados do governo americano.

A Usaid está no centro de uma polêmica internacional e pode ser reestruturada pelo presidente Donald Trump. O governo americano está cancelando programas da agência que financiam políticas progressistas que são consideradas desperdício de dinheiro pela nova administração e podem ter contribuído para enfraquecer governos e partidos de direita pelo mundo. No Brasil, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro acusam a Usaid de prejudicar sua campanha de reeleição em 2022.

A quantidade de recursos usados pela Usaid e pelo Departamento de Estado americano no Brasil está listada em um site oficial do governo destinado a dar transparência para as políticas americanas de ajuda internacional. Ele mostra que em 2023 foram destinados US$ 20 milhões (cerca de R$ 120 milhões na cotação atual do dólar) a ações no Brasil. Em 2024 foram aplicados ao menos US$ 24,7 milhões (R$ 147 milhões), mas a soma é parcial, pois a contabilidade do ano passado ainda não foi concluída.

A soma totaliza US$ 44,8 milhões no Brasil. Nesse mesmo período de dois anos, a Usaid destinou US$ 77 bilhões para mais de 100 países, de acordo com o site de transparência americano.

O governo americano não detalha em quais ações específicas esse dinheiro foi gasto nem quantas organizações foram beneficiadas no Brasil. Um levantamento da Gazeta do Povo mostra que ao menos 25 entidades brasileiras foram beneficiadas, mas esse número pode ser muito maior.

A Usaid realiza ações internacionais em uma grande quantidade de áreas. Elas vão desde a distribuição de comida e insumos médicos em áreas de desastres e em nações pobres até o financiamento de programas, estudos acadêmicos e ONG voltados para ações de diversidade, equidade, inclusão e políticas LGBTQ+.

No Brasil, a Usaid e o Tribunal Superior Eleitoral realizaram ao menos duas ações conjuntas no ano de 2021 alegadamente para combater o que consideravam ser “desinformação” e “notícias falsas” no período eleitoral. O tribunal disse na época que as ações não visavam o controle de conteúdos nas redes sociais.

No ano passado, o Brasil passou a se destacar na mídia internacional pelo papel do Judiciário na censura nas redes sociais de conteúdos que considera “antidemocráticos”, especialmente após o ministro Alexandre de Moraes suspender a rede social X temporariamente em todo o país. O dono do X, Elon Musk, hoje faz parte do governo Trump e descreveu a Usaid como “um ninho de víboras”.

As ações da parceria entre a Usaid e o TSE são duas entre dezenas de projetos e iniciativas financiadas pela agência que juntos naquele ano receberam mais de US$ 31 milhões do governo americano.

Polêmica envolvendo a Usaid mexeu com a cena política brasileira

A Usaid entrou na mira de Donald Trump desde que o republicano assumiu a presidência no mês passado. Trump suspendeu as atividades da Usaid para uma revisão dos projetos financiados por ela, sob a justificativa que a agência estaria fazendo “coisas erradas” e desperdiçando bilhões de dólares dos Estados Unidos. “A Usaid é administrada por um bando de lunáticos radicais. E estamos tirando todos de lá… e então tomaremos uma decisão [sobre seu futuro]”, disse Trump no domingo (2).

Desde então a situação envolvendo a Usaid escalou e chegou ao debate político brasileiro. Na segunda-feira (3), Michael Benz, ex-chefe de informática do Departamento de Estado dos EUA no primeiro governo de Donald Trump, disse em entrevista ao programa The War Room, de Steve Bannon, que a Usaid foi um mecanismo para prejudicar a eleição presidencial em 2022 no Brasil, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Segundo Benz, a Usaid enxergava Bolsonaro como um “Trump tropical” e que sem a Usaid, Bolsonaro “ainda seria presidente”, alegando que a agência desempenhou um papel fundamental nas eleições de 2022 ao financiar iniciativas para monitorar informações e restringir conteúdos favoráveis ao ex-presidente, inclusive em ações envolvendo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele não apresentou evidências concretas para fundamentar as afirmações.

“As recentes denúncias do pesquisador e ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA, Michael Benz, sobre a atuação da Usaid como ferramenta de influência política e interferência eleitoral em países soberanos, incluindo o Brasil, são alarmantes e requerem atenção imediata. Diante dessas revelações, é fundamental que o Congresso Nacional e demais instituições competentes investiguem o financiamento e a atuação dessas organizações em território brasileiro. Transparência e soberania não podem ser negociadas”, escreveu em nota o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Eduardo Bolsonaro e o deputado Gustavo Gayer (PL-GO) passaram então a coordenar uma ação para coleta de assinaturas. Eles pedem a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as supostas interferências da Usaid nas eleições brasileiras de 2022.

Benz comparou a atuação da Usaid no Brasil com um “polvo da censura”, alegando que a organização teria financiado legislações contra a desinformação dentro do TSE para restringir conteúdos pró-Bolsonaro. O TSE foi procurado pela reportagem sobre as alegações de Benz, mas não se manifestou sobre o assunto.

As declarações de Benz ocorreram no contexto de um debate sobre a atuação da Usaid em diferentes países e associou a situação a um programa da CIA nas décadas de 1950 e 1960, conhecido como operação Mockingbird. A operação pretendia influenciar a mídia internacional sobre um programa secreto da CIA, iniciado na Guerra Fria, para influenciar veículos de comunicação e jornalistas a divulgar informações favoráveis aos interesses dos Estados Unidos. A agência financiava e recrutava repórteres, editores e meios de comunicação para moldar a opinião pública e combater a propaganda soviética. O esquema foi revelado nos anos 1970 durante investigações do Congresso, gerando debates sobre manipulação da imprensa e ética jornalística.

Gazeta do Povo

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