Prosa do Domingo
O processo de exumação dos restos mortais do Presidente João Goulart serve para que não esqueçamos os restos mortais da liberdade e da democracia, que sempre foram alvos de saqueadores nas penumbras da História.
Na sessão do Congresso, cujo presidente da Casa declarou vaga a Presidência da República, ficou gravada a nojeira inicial de uma Ditadura brutal, assassina e mentirosa.
Deixemos de lado, neste texto, a brutalidade e a violência do regime que prendeu, exilou, torturou e matou desafetos. Cuidemos só da mentira, que agasalhou aquele regime desde o seu início.
O Presidente do Congresso era o senador Auro Soares de Moura Andrade. De cuja biografia, soube-se depois, borbulhava picaretagem e negociatas no mundo político e empresarial de São Paulo. Guardava de Jango uma mágoa antiga. Porque não fora nomeado pelo Presidente, após ser indicado pelo Congresso para o cargo de Primeiro-Ministro do período parlamentarista.
Nesse episódio, sofreu uma humilhação. Pois Jango condicionou sua nomeação à obrigação de Moura Andrade deixar uma carta assinada, sem data, com o pedido de exoneração.
Pois bem. Naquela sessão do Congresso, ele recebera instruções de uma equipe, mandada por Lacerda, para declarar vaga a Presidência da República, o que daria prévia legitimidade ao golpe que se aramava nos quartéis com o apoio das carpideiras das urnas. A velha e surrada hipocrisia udenista, perdedora contumaz das eleições. E quando ganhou, não levou. Ou melhor, levou uma vassourada de Jânio Quadros.
Moura Andrade cumpriu o seu nojento papel. “O Presidente da República abandonou o governo, deixou a nação acéfala. Declaro vaga a Presidência da República”. Mentira. Jango estava em território brasileiro, de onde só saiu na segunda semana de Abril. E estando no Brasil o seu Presidente, em qualquer lugar, ali é a sede do Governo Federal.
Nesse momento, Tancredo Neves levanta-se e grita: “Canalha, Canalha”. O deputado paulista Rogê Ferreira aproxima-se da Mesa do Congresso e dá uma cusparada na cara de Moura Andrade.
O cretino se fez de mouco aos gritos de Tancredo e se fez limpo ao cuspe de Roger Ferreira.
Foi assim o início institucional do regime iniciado em 1º de Abril de 1964. O que veio depois merece exumação permanente, tamanha podridão que sete palmos não são suficientes.
O primeiro “presidente”, Castelo Branco já era um mentiroso conhecido. “Enquanto eu estiver aqui, ninguém mexe com o senhor”. Sabe quem disse isso? Castelo Branco. Sabe a quem ele disse isso? A Miguel Arraes. E o nome de Arraes estava na primeira lista de cassação assinada por Castelo Branco.
“Assumo este cargo até o dia 1º de janeiro de 1966, quando darei posse ao brasileiro eleito pelo povo nas eleições de 1965”. Sabe que fala é essa? Do discurso de posse de Castelo Branco. Foi assim que começou. Té mais.
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