quinta-feira, julho 18

CARTA DE SUSAN SONTAG PARA JORGE LUIZ BORGES

 

Caro Borges,
Como a sua literatura sempre se situou sob o signo da eternidade, ela não parece velha demais para que eu lhe envie uma carta( Borges são dez anos!). Se existiu algum contemporâneo destinado a imortalidade literária, foi você. Você foi um perfeito produto de sua época, de cultura, de um modo que parece inteiramente mágico. (...)
Você deu as pessoas maneiras novas de imaginar, ao mesmo tempo que proclamava sem cessar nossa dívida com o passado, acima de tudo, com a literatura. Você disse que devemos a literatura quase tudo o que somos e o que fomos. Se os livros desaparecerem, a história desaparecerá, e os humanos também. Tenho certeza que você tem razão. Livros não são apenas a suma arbitrária de nossos sonhos e de nossa memória. Eles nos dão também o modelo da autotrenscedencia.
Lamento ter de dizer a você que os livros, hoje, são tidos como uma espécie ameaçada. Por livros, refiro-me também as condições de leitura que tornam possível a literatura e seus efeitos na alma. Em breve, nos dizem, invocaremos em "Telas-livros" quaisquer "Texto" que quisermos e poderemos alterar seu aspecto, fazer perguntas a eles " interagir". Quando os livros se tornarem "textos", com que "interagiremos" segundo o critério da utilidade, a palavra escrita terá se transformado simplesmente em mais um aspecto da nossa realidade televisual regida pela publicidade.
Este é o glorioso futuro que está sendo criado e prometido para nós, como algo mais "democrático". É claro, isso significa nada menos que a morte da interioridade - e do livro. Para essa transição, não haverá nenhuma necessidade de uma grande configuração.
Os bárbaros não precisam queimar livros. O tigre está na biblioteca. Caro Borges, por favor compreenda que não me dá nenhum prazer queixar-me. Mas a quem melhor que você poderiam ser endereçados tais queixas sobre o destino dos livros - da própria leitura?
(Borges, faz dez anos!). Tudo o que quero dizer é que sentimos sua falta. Você continua a ser importante. A era em que estamos agora, este século XXI, porá a alma a prova de maneiras novas. Mas esteja certo, alguns de nós não abandonaremos a Grande Biblioteca. E você continuará a ser o nosso patrono e nosso herói.

CHICO TORQUATO

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