Fotos: acervo do autor
Em Serra Negra do Norte, município
do interior do RN, há mais de 300 Km da capital Natal, que faz fronteira com
Timbaúba dos Batistas e Caicó no Seridó potiguar, bem como com o estado da
Paraíba, a produção de rapaduras e mel de engenho vem sendo reativada desde
1995. Já são dezenas de moagens de cana-de-açúcar, onde através do caldo se
produz artesanalmente as iguarias e o sonho de que, futuramente, o engenho
disponha de um alambique para produção de cachaça.
É exatamente no Sítio Arroz, na zona
rural do município, na propriedade de Sr. Amadeu e Dona Tervina, e também de
sua prole que compreende 8 homens e 3 mulheres, no meio das belas serras
seridoenses, que a tradicional moagem vem sendo feita, num sistema de meação,
ou seja, onde metade da produção fica com o produtor da cana, e a outra metade
com os donos do engenho. A iniciativa vem sendo encabeçada pelos filhos de Sr.
Amadeu, que alternam o trabalho entre a moagem da cana, o cozimento do caldo com
cal que, segundo a tradição auxilia na redução da acidez, a retirada de
impurezas, resfriamento e modelagem. Além da pesca do peixe consumido no
engenho como tira gosto e do preparo do almoço para todos os presentes, servido
fartamente antes do meio-dia. É um trabalho árduo e quente, já que a fornalha
chega a 220 graus, e é necessário um grande volume de cana para a produção de
uma quantidade modesta de rapaduras e de mel. Mesmo assim, é uma festa que
reúne populares, políticos, curiosos, mentirosos, contadores de anedota, sempre
regada a cachaça, caldo de cana e rapadura.
“Antigamente todo homem recebia do
banco dinheiro pra montar um engenho, cavar um açude e fazer uma casa”, diz Sr.
Amadeu sobre o fomento às atividades no campo brasileiro no século passado,
provavelmente entre as décadas de 1950 e 1980, em que o Brasil promoveu
políticas de desenvolvimento regional, com destaque para a criação da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE em 1959, no sentido de corrigir as
desigualdades regionais que assolam o país desde que a invenção da seca se
tornou uma política para benefício de alguns poucos e, consequentemente, a
miséria da maioria.
Esse caldo popular e cultural, ao
longo da moagem, que se inicia por volta das 3h da manhã até acabar a cana, dá
voz a inúmeras anedotas e histórias de trancoso, dentre elas as contadas por
Sr. Calisto “A mulher tando desgraçada não pode vir pra moagem, se não desanda
tudo, a rapadura não sai”, o que foi confirmado por Sr. Dimas “Teve uma mulher
que tava nos dias e foi mordida por uma cobra, pois dito e feito, a cobra
morreu”, ambos se referindo a menstruação feminina que, segundo a tradição,
interfere no sucesso da produção da rapadura.
O engenho do Sítio Arroz vem, ainda, movimentando a economia local, já que ao menos de 3 a 5 populares se somam aos filhos de Sr. Amadeu nas moagens, além da circulação das rapaduras e do mel pelas redondezas. Mais do que isso, o resgate da produção das rapaduras eleva o Seridó potiguar na manutenção da tradição, da cultura popular, da memória, da oralidade, da soberania alimentar e do incentivo à economia local.
[Texto
originalmente publicado no Portal Navegos em
www.navegos.com.br]
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