Com destino ao centro do Assú, dezenas de homens, mulheres e crianças, vindos da Carne Gorda, Simão, Talhado, Banguê, Piató, ou mesmo dos “matos”, como dizem alguns, se arrastam todos os dias por veredas estreitas de terra batida, ou ainda pelas esburacadas estradas feitas para escoar petróleo no século passado em toda a várzea. Vindos de pau de arara, o que antes se fazia a cavalo ou a pé, esses retirantes saem cedo, por volta das quatro da manhã, de modo que às sete estejam na rua, quando o comércio abre e podem ter prioridade em seus afazeres e negócios, já que o retorno é longo e feito no pingo do meio dia, sujeito a sol e sereno, pelas mesmas vielas tortuosas. A única proteção a eles oferecida é uma capota de couro, adornada nas extremidades, o que traz um ar de autenticidade e até um certo cuidado, mantendo a beleza em meio a tão dura realidade. O lanche improvisado consta de uma bolacha preta ou de soda acompanhada por suco ou refrigerante, que também serve de refresco no sol quente, compartilhados entre as mãos calejadas da lida na agricultura e as compras do mês.
Do lado de cá, nos tabuleiros, na última década não se tem usado mais o pau de arara como meio de transporte, tendo sido substituído pelos “carros de linha”, que vão desde camionetas azúis e vermelhas, Paratis, Belinas, dirigidos em sua maioria por homens que fazem desse trajeto até a cidade o seu ganha pão. Com exceção de Josefa, que faz a linha de Carnaubais ao Assú e, vez ou outra, conduz um desses retirantes, que ficam às margens da estrada sempre à espera, onde lhes conta suas peripécias, mesmo sem perder a atenção do volante. A princípio, Josefa é uma figura singular e simpática, o que talvez rendesse mais linhas em outro momento oportuno. O fato é que nos últimos anos, à custa de uma modesta aposentadoria ou o sangue bom para o comércio, alguns poucos cidadãos “do mato” puderam adquirir uma motocicleta e, no caso dos mais abastados, até mesmo um automóvel, ambos mantidos há duras penas, o que vem substituindo os paus de arara e de certo modo os “carros de linha”.
Por falar nisso, a camioneta vermelha de João dos Anzóis foi destaque na década passada por esbanjar charme e a seguinte frase: “sou brega, e daí?”. Talvez o mais bonito e descontraído de todos esses meios de transporte improvisados e, por vezes, irregulares. Sobre isso, entra ano e sai ano, oligarquias e oposicionistas, dezenas de eleições, vereadores, apertos de mão, tapinhas no ombro, e nada feito para transportar os ditos cidadãos até a cidade e, de fato, promover políticas de mobilidade e de garantia do transporte público. Também, como disse Eduardo Galeano, quem se importaria com “os ninguéns, os filhos de ninguém, os dono de nada”? Talvez até interesse a alguns que se mantenha sempre o arquétipo do “bicho do mato”, a quem se possa direcionar preconceitos, ofensas, frustrações, como também ter quem possa servi-los para perpetuarem o poder e, de quatro em quatro anos, batem às portas com muitos dentes na boca com muitas promessas e ações, sendo recebidos com banquetes na casa de alguns poucos abastados.
Nada é mais ultrajante do que vê-los, os ninguéns, ao irem até ao Assú receber pequenas quantias, desde oitenta até por volta de duzentos reais, a título de programas sociais do Governo Federal, gastarem dez ou quinze da cifra com transporte. E há quem os chame de vagabundos. A ausência de dignidade se estende, já que não existe transporte durante a noite e nos fins de semana, tirando o direito de se ter acesso às atividades culturais e ao lazer na cidade e que poderia - se pensassem além do seus umbigos esses que estão no poder, movimentar a economia da cidade.
Incômodo semelhante, por exemplo, foi motivo de protestos em Mossoró, quando no ano de 2013, mais de mil jovens tomaram às ruas no que ficou conhecido por “Movimento Pau de Arara”, reivindicando melhorias no transporte público municipal. Mas, parece que no Assú estamos adormecidos ou talvez enfeitiçados pela voz mansa e os apertos de mãos dos nossos representantes. No entanto, mesmo entalados com bolacha preta ou entretidos com smartphones, não custa nada perguntar: serão eternos os paus de arara?Por Pedro Henrique de Farias
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