sábado, janeiro 7

O adeus ao guardião da memória

Yuno Silva e Tádzio França - repórteres

A clássica "Royal Cinema", composição do potiguar Tonheca Dantas, anunciou aos amigos e familiares que era chegada a hora do derradeiro adeus a Enélio Lima Petrovich, nome que entra para a história como o mais longevo dos gestores à frente de uma instituição pública no Estado. Lembrado por sua dedicação à preservação de documentos e registros históricos que guardam a memória social, cultural e política do RN, Petrovich fez questão de deixar escrito de próprio punho seu último pedido na contra-capa de um CD: "Para meu velório no salão nobre do IHG/RN. E quando? Só Deus sabe..."
Alex Régis Morre o advogado e escritor Enélio Lima Petrovich. Ele esteve à frente, por quase cinco décadas, da mais antiga entidade do Estado, o Instituto Histórico e geográfico
Morre o advogado e escritor Enélio Lima Petrovich. Ele esteve à frente, por quase cinco décadas, da mais antiga entidade do Estado, o Instituto Histórico e geográfico

Enélio tinha 77 anos, três filhos, sete netos, deixou viúva dona Miriam Petrovich e em setembro foi acometido por um AVC que o deixou fora do combate nas trincheiras da Cultura potiguar. Falecido na manhã de ontem, foi velado no salão nobre do lugar que mais amava estar: o Instituto Histórico e Geográfico do RN, entidade fundada em 1902 da qual esteve à frente por 49 anos completos - ou uma vida inteira de dedicação, que por sinal foi a palavra mais repetida na tarde de ontem: dedicação. Essa é a principal imagem que fica sobre seu trabalho. O enterro aconteceu ontem mesmo, no fim da tarde da própria sexta-feira, no Cemitério Morada da Paz.

Figura querida, transitava por vários círculos e seu velório recebeu a presença de acadêmicos, intelectuais, artistas, personalidades da política e da sociedade. Durante o período que esteve internado no hospital, cerca de três meses, o IHG/RN chegou a ser brevemente comandado pelo filho Célio Petrovich - que logo passou o bastão para o vice-presidente Jurandir Navarro após polêmica deflagrada no meio intelecto-cultural. "Estava aqui por um chamado dele, nunca confundi as coisas", disse. Navarro permanece no gargo até o mês de março de 2013, quando haverá nova eleição.

"Acredito que a recuperação do acervo será o principal desafio da próxima diretoria", disse o escritor e pesquisador Cláudio Galvão, que declarou ser, "provavelmente", o amigo mais antigo presente no velório. Galvão, que conheceu Enélio há mais de 60 anos quando ainda eram adolescentes e moravam na rua Vigário Bartolomeu, sabe o que diz, pois contabiliza horas e horas de pesquisa nos arquivos do Instituto. "Muita coisa se perdeu pela deterioração natural, mas não podemos descartar o manuseio inadequado. Teve gente, inclusive, que chegou a rasgar alguns jornais antigos, material raro do século 19. Mas sei e tenho certeza que Enélio fez o que pôde dentro das limitações impostas ao longo do tempo."

Em 1988, Enélio chegou a ser empossado "presidente perpétuo"
O velório na sede do Instituto Histórico foi um dos pedidos dele.
O velório na sede do Instituto Histórico foi um dos pedidos dele.
Foram quase cinco décadas dedicadas a cuidar da mais antiga entidade cultural do Estado. Enélio Lima Petrovich foi eleito presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte em 25 de agosto de 1963, e desde então se manteve à frente da instituição, passando por várias eleições, até ser empossado "presidente perpétuo" em 1988, por decisão de uma assembleia geral. Câmara Cascudo sempre ressaltou os méritos do amigo e contemporâneo em sua longevidade administrativa: "...prorrogado o seu mandato, pois nele reconhecia grande força valorizadora em defesa do patrimônio intelectual do nosso Estado". E assim foi. 

Enélio teve uma vida cultural bastante movimentada. Advogado por formação, estendeu seus interesses para muito além do Direito. Interessado desde cedo em estudos literários e históricos, escreveu livros e muitos artigos para jornais, revistas e publicações da área jurídica em geral. Foi colaborador das revistas Inter-Brasil, do Rio de Janeiro, e da potiguar Cactus. Há escritos seus no campo do Direito Previdenciário na "Revista de Previdência Social", em São Paulo. Durante a vida universitária teve participação em todos os movimentos culturais, pronunciando conferências e palestras.
A história de Enélio junto ao IHGRN começa quando ele se torna sócio efetivo da casa em 29 de março de 1959 - em abril do mesmo ano já era segundo secretário. Mesmo à frente do instituto, a partir de 1963, ele não parou de escrever, pesquisar e atuar em diversos departamentos culturais e jurídicos. Durante o governo de Aluízio Alves, Enélio ocupou as funções de sub-chefe da Casa Civil (64), e diretor dos departamentos de Administração e Estatística (65).
Ele também foi um dos sócio-fundadores do segmento natalense do Lions Clube, sendo seu vice-presidente em 1966. Em 1967 foi sócio correspondente do Instituto Brasileiro de Estudos Sociais, em São Paulo, filiado à Unesco.
Em sete de dezembro de 1973, Enélio se torna membro da Academia Norte-Riograndense de Letras, ocupando a cadeira do escritor Virgílio Trindade. A saudação protocolar foi proferida pelo próprio Luís da Câmara Cascudo, patrono fundador da Academia. O ex-presidente do IHGRN lançou cerca de 30 livros, obras que abordavam História e Direito, as duas paixões. Entre os títulos estão "Quem fundou Natal?", "A Ordem saúda a Justiça", "Evocando Henrique Castriciano", "Forte dos Reis Magos - Um patrimônio luso-brasileiro", "Os arquitetos da história do Rio Grande do Norte", "Sigmund Freud, sua ciência e a sociedade atual", "A questão religiosa no RN", entre outras.
O filho: 'Ele datava artigos com nome de santo"
Célio Petrovich, 48, filho do meio de Enélio e irmão de Lírian e Enélio Antônio, contou que o pai estava há cerca de 100 dias internado devido um acidente vascular cerebral isquêmico, o tipo mais comum de AVC. Visivelmente abalado, ele lembrou que Enélio chegou a ser liberado pelos médicos, "mas 5 ou 6 dias depois foi novamente internado, e infelizmente não saiu mais do hospital".
"Vejo meu pai como um baluarte da Cultura potiguar. Certo que ninguém é insubstituível, e podem até chegar a ser igual a ele - melhor não! Estou sem palavras e ainda não estou acreditando no que aconteceu", disse emocionado. "Muitas vezes tirou dinheiro do próprio bolso para pagar contas aqui do IHG/RN, dedicou sua vida a esta instituição, dividiu atenções com a família e quando assumiu o Instituto, mamãe estava grávida de mim." Um detalhe peculiar ressaltado por Célio: Enélio Petrovich assinava e datava seus artigos colocando o nome do Santo do dia - "Acredito que o Dia de Santos Reis veio para iluminar esse momento."
Autor de 35 livros, há uma obra inédita de Enélio Petrovich editada, revisada e pronta para ser publicada: "Escrevendo, Lendo e Publicando" estava programado para sair em março próximo e traz depoimentos, artigos, transcrições de palestras e textos que escreveu apresentando outros livros. "Agora não sei mais quando será lançado, nem se será lançado", revela Célio.

Fonte: Tribuna do Norte

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