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A corretora imobiliária Tathiara Barbosa Fonseca, de Gravataí, no Rio Grande do Sul, viu um dia no Instagram recomendações sobre os cursos de uma influenciadora com dicas sobre como faturar alto no Aviator, um jogo no qual o usuário tenta adivinhar a hora certa de parar um avião durante a decolagem.
Com as lições do curso e o incentivo das influenciadoras, a corretora baixou o aplicativo para arriscar a sorte. Ela vivia um período de estabilidade financeira, ganhando em média 15 mil reais mensais. De início, apostou entre 25 e 50 reais. Com o tempo, foi aumentando o valor das apostas. Chegou a faturar 72,5 mil reais de uma só vez e, empolgada, apostou toda a quantia obtida para multiplicá-la. Perdeu tudo.
Fonseca começou a se descontrolar nas apostas. Em um único dia, torrou 100 mil reais no Aviator e em outros jogos. Depois de raspar toda a conta, a corretora começou a fazer empréstimos. Primeiro com bancos, depois com agiotas. “O algoritmo primeiro te fascina, depois te aprisiona e depois te tira tudo”, diz ela. “Eu sonhava com o barulho e as cores do joguinho.”
Ao longo de três anos, perdeu 1.883.981,08 reais, sem falar nos juros e encargos de empréstimos, contam os jornalistas João Batista Jr. e Alessandra Medina* em reportagem na edição deste mês da Revista Piauí. A reportagem relata o impacto das bets no país, narra os caminhos políticos da regulamentação e revela os cachês multimilionários de famosos como os influenciadores Carlinhos Maia, GKay, Maya Massafera e Virgínia Fonseca, e o ator Cauã Reymond, para promover a jogatina.
Há dois tipos de plataformas de bets (“apostas”, em inglês). Um é o dos jogos, como o Aviator (conhecido como “aviãozinho”), o Balloon (“balãozinho”) ou o Fortune Tiger (“o tigrinho”), o mais famoso deles. Todos são adaptações digitais de videogames ou de caça-níqueis de cassinos. Simulam que tudo depende da habilidade do jogador, quando, na verdade, depende da sorte. A outra modalidade da jogatina online é a de palpites esportivos, em geral sobre futebol. As apostas versam sobre múltiplos aspectos – o placar do jogo, se alguém receberá um cartão amarelo ou vermelho, se algum jogador fará gol contra.
Só nos primeiros oito meses do ano passado, 24 milhões de brasileiros gastaram, em média, 20,8 bilhões de reais por mês nas bets, de acordo com o Banco Central. Esse número contabiliza só pagamentos via Pix, já que outros meios de pagamento – como cartões de débito e crédito – estão fora do radar. Os jogos online afetam inclusive o Bolsa Família: dos 14,1 bilhões de reais distribuídos todo mês pelo governo, 3 bilhões foram repassados para as bets – apenas em pagamentos via Pix.
Números indicam que os brasileiros se tornaram usuários pesados das plataformas de apostas
Os números indicam que os brasileiros se tornaram usuários pesados das plataformas de apostas. Em 2022, ano da estatística mais recente disponível, o Brasil foi o campeão mundial: 113,9 milhões de apostas, segundo a Similarweb, que analisa dados de sites. Depois vêm os Estados Unidos, com 77,9 milhões de apostas.