Pedro Ladeira – 6.out.24/Folhapress
Apesar de uma série de investigações sobre fraude generalizada em pequenos e médios municípios do país nas eleições de outubro, tanto o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) quanto a presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, têm se esquivado de questionamentos sobre o caso.
O tribunal não respondeu perguntas ou forneceu dados solicitados. A ministra se manifestou na segunda-feira (9) e minimizou as suspeitas. Depois, não respondeu indagações sobre inconsistências nos argumentos apresentados.
Conforme mostraram reportagens da Folha, diversas investigações de Polícia Federal, Ministério Público e Justiça Eleitoral pelo país têm como foco a suspeita de que candidatos a prefeito e a vereador de pequenas e médias cidades cooptaram eleitores a transferir o título eleitoral para esses municípios em troca da promessa de dinheiro ou benefícios.
A fraude ocorreria em boa parte dos casos por meio da apresentação de comprovantes de residência falsos pelos eleitores, mostram essas investigações, o que pode ter sido decisivo em alguns dos resultados.
Dados públicos do TSE mostram que, em mais de 700 cidades, houve um acréscimo de 10% ou mais no eleitorado só com transferência vindas de outros municípios —estão excluídos dessa conta os títulos emitidos para jovens de 16 a 18 anos.
Em 82 cidades, o acréscimo de eleitores foi de 20% a 46% só com as transferências, o que levou mais da metade dessas cidades a terem no papel mais eleitores do que habitantes.
Em Fernão (SP) por exemplo, houve incremento de 17% no eleitorado por meio de transferência de títulos. A eleição foi definida por um voto de diferença, e o vencedor é alvo do Ministério Público justamente sob a acusação de ter patrocinado de forma fraudulenta a transferência de mais de 60 eleitores de outros municípios.
Divino das Laranjeiras, no leste de Minas Gerais, e Elesbão Veloso, no Piauí, foram alvos de operação da PF sob suspeita de chegada fraudulenta de centenas de eleitores.
Assim como esses três casos, muitos outros foram registrados em vários estados do país.
Reportagem do Fantástico da TV Globo, por exemplo, mostrou em novembro indícios de que também houve mercado ilegal de eleitores em Mangaratiba, balneário do Rio de Janeiro que ganhou milhares de novos votantes.
O estado com o maior número de municípios que elevaram em mais de 20% o número de pessoas aptas a votar é Goiás. Foram 19, entre eles Guarinos, a campeã em crescimento (46%), e Davinópolis, onde o eleitorado oficial (4.405) é mais do que o dobro de toda a população contada pelo IBGE.
Há semanas a Folha solicita ao TSE a identificação do domicílio eleitoral anterior dos novos eleitores dessas cidades, mas não obteve resposta.
Na segunda-feira, a reportagem enviou cinco perguntas ao TSE sobre o tema, entre elas a solicitação da lista de quantas correições e revisões de eleitorado foram feitas desde 2023 e quantas estão previstas para 2025.
Há previsão legal desse tipo de medida (exceto em ano eleitoral), desde que atendidos alguns requisitos, como o aumento em mais de 10% do total de títulos em comparação com o ano anterior e a existência de “indícios consistentes ou denúncia fundamentada de fraude ou outras irregularidades no alistamento em zona ou município”.
Os tribunais regionais do Maranhão e Pará farão revisão no ano que vem do eleitorado de alguns municípios justamente sob a suspeita de fraude.
Também na segunda, Cármen Lúcia se manifestou sobre o tema ao divulgar relatório das eleições de outubro. Misturando informações e demonstrando desconhecimento sobre outras, afirmou não ter visto vício do pleito nem falha da corte.
Nesta quarta-feira (11), foram enviadas perguntas específicas à ministra sobre os argumentos usados por ela para minimizar as suspeitas. Também não houve resposta.
Em linhas gerais, a ministra disse que suspeitas nesse sentido já ocorreram antes de 2024 e que o fato de um município ter mais eleitores do que habitantes não é um indicador, por si só, de fraude.
Ocorre que as suspeitas que motivaram as investigações da PF, Ministério Público e da própria Justiça Eleitoral não levam em conta apenas esse indicativo, mas também, entre outros, a migração em massa de eleitores às vésperas da eleição e a suspeita de apresentação de comprovantes de residência falsos.
Cármen disse ainda que a biometria já chegou a 80% do eleitorado, impedindo a possibilidade de um mesmo eleitor votar duas vezes na disputa, só que não há no caso em questão suspeita de que eleitores tenham votado duas vezes —mas sim, de que mudaram o domicílio eleitoral para votar em uma localidade em que não têm relação de domicílio, afetiva ou outra.
Por fim, a ministra afirmou que a PF não fez investigações ou operações por suspeita de transferência coletiva fraudulenta de títulos, o que é desmentido por vários informes públicos da própria PF.
A transferência fraudulenta de título de leitor é crime eleitoral, geralmente enquadrada nos artigos 289 e 290 do Código Eleitoral, com penas de até cinco anos de prisão, mais multa.
Folha de São Paulo
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