Durante audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte para debate sobre o aumento da alíquota de ICMS no Rio Grande do Norte, a Fecomércio RN apresentou um pacote de soluções estruturais que poderia gerar R$ 9,6 bilhões em novas receitas para o Rio Grande do Norte, sem a necessidade de aumento da carga tributária. Entre as propostas, destaca-se a inclusão do abastecimento de água na PPP da Caern, com o potencial de gerar R$ 5 bilhões aos cofres públicos, através da privatização de parte da operação.
Além disso, a entidade sugeriu a criação de um mecanismo legislativo para implementar Transação Tributária e Securitização da Dívida Ativa, uma medida que poderia agregar R$ 3,4 bilhões. Adicionalmente, a liberação de R$ 1,2 bilhão do Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (PEF) também contribuiria para o fortalecimento das finanças estaduais.
Enquanto o governo justifica o reajuste como necessário para equilibrar as contas públicas e garantir serviços essenciais, representantes do setor produtivo alertaram sobre os impactos negativos que o aumento pode trazer à economia local, à competitividade e ao custo de vida da população. As federações do Comércio de Bens e Turismo (Fecomércio-RN) e das Indústrias (Fiern) fizeram apresentações nas quais evidenciaram que o problema não estaria nas receitas, mas no crescimento desproporcional das despesas. Um estudo apresentado pela Fecomércio-RN mostra que, em 2023, mesmo com a alíquota do ICMS em 20% a arrecadação cresceu menos que os gastos do governo estadual.
Segundo os dados, as receitas correntes líquidas do estado cresceram 13,7%, enquanto as despesas avançaram 16,8%, com destaque para os gastos com pessoal, que atingiram 56,9% da Receita Corrente Líquida (RCL), ultrapassando o limite legal prudencial. A apresentação também mostrou que a receita do RN cresceu 21,3% entre 2023 e 2024, acima da média nacional para o período de 12,2% e de 18,1% para a região Nordeste.
Marcelo Queiroz, presidente da Fecomércio-RN, foi enfático ao criticar o aumento do ICMS e cobrou eficiência do governo na gestão fiscal. “Tivemos, em 2024, crescimento nas vendas do comércio, nos serviços, e uma inflação menor do que a nacional. Isso mostra que a receita está em uma boa condição. O problema está nos gastos. O governo precisa ajustar suas despesas para que caibam dentro da sua receita. Não se pode transferir essa responsabilidade para a sociedade e para os contribuintes”, afirmou.
Além disso, a Fecomércio destacou que o Rio Grande do Norte investiu apenas R$ 427 milhões em 2023, posicionando-se como o Estado que menos alocou recursos em investimentos em todo o Brasil, mesmo frente a estados com orçamentos significativamente menores, como o Amapá (R$ 316 milhões) e Roraima (R$ 258 milhões). Em comparação, a média de investimentos dos estados nordestinos foi três vezes superior, chegando a aproximadamente 6% da Receita Corrente Líquida (RCL), enquanto o RN destinou apenas 2%.
Roberto Serquiz, presidente da Fiern, reforçou que o aumento do ICMS é uma solução paliativa e defendeu alternativas que passam por investimentos estruturais e planejamento econômico de longo prazo. “Vamos cuidar de melhorar o Estado pela via da economia, por meio de licenciamentos, políticas de PPPs e um planejamento industrial que aproveite as oportunidades da reforma tributária. Precisamos preparar o Rio Grande do Norte para 2033, quando haverá mudanças no sistema tributário”, destacou.
A Fiern também apresentou dados que evidenciam a queda na competitividade do estado, o que agrava os desafios econômicos e fiscais do Rio Grande do Norte. Segundo o Ranking de Competitividade dos Estados 2023, elaborado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), o RN caiu para a 24ª posição, perdendo uma colocação em relação ao ano anterior. Para a entidade, esse desempenho é reflexo de fatores como baixa eficiência na gestão pública, falta de investimentos e dificuldades estruturais no ambiente de negócios.
O presidente da Fiern citou, como exemplo, que gostaria de estar comemorando a celeridade do licenciamento ambiental, viabilizando a entrada em operação de inúmeros novos poços de petróleo das empresas privadas que assumiram os campos maduros antes operados pela Petrobras. “O aumento da arrecadação é impulsionado pela economia”, ressaltou o presidente da Fiern. Serquiz ressaltou que são muitas as experiências exitosas de gestões em estados vizinhos, “que em momentos semelhantes tiveram medidas corajosas e efetivas que garantiram a esses estados recuperação da capacidade de investimento”.
Ele defendeu a construção coletiva de um programa que retome a capacidade de investimento do estado e colocou a Fiern à disposição para auxiliar nesse processo. “Gostaria de sugerir à Assembleia Legislativa que possa ser moderadora de uma ampla aliança com os demais Poderes, com a sociedade civil e com o setor produtivo para construirmos um programa de contenção de despesas e de melhoria do ambiente de negócios no Rio Grande do Norte”, conclui Serquiz.
O assessor técnico do Observatório da Indústria Mais RN, Pedro Albuquerque, complementou a fala com números sobre a arrecadação, ressaltando a necessidade de contenção das despesas públicas. “No período de 2019 a 2023, as receitas cresceram, numa média ano-a-ano, em 13%. Já as despesas, nesse mesmo período, cresceram 17,5%”, mostrou. “Em 2023, com vigência da alíquota de ICMS em 20% de abril a dezembro, as receitas cresceram 13,7% enquanto as despesas 16,8%”, completou Albuquerque.
“O problema do Rio Grande do Norte não são as receitas, mas as despesas que crescem em porcentagem sempre acima da receita”, finaliza o assessor técnico do Observatório da Indústria.
Dados apresentados na audiência
Despesa com pessoal: 56,9% da Receita Corrente Líquida do estado em 2023.
Investimentos: RN investiu R$ 258 milhões em 2023, o menor índice do Brasil.
Arrecadação corrigida pela inflação (ICMS): Queda de R$ 293,4 milhões em 2024 em relação a 2023.
Ranking de Competitividade: RN caiu para a 24ª posição nacional.
Despesas correntes (2019-2023): Crescimento anual médio de 22,4%, superando o aumento de receitas (13%).
Proposta do Governo terá impacto em diversos setores
Carlos Eduardo Xavier, secretário estadual de Fazenda, argumentou que o aumento da alíquota do ICMS é essencial para evitar crises ainda maiores nos serviços públicos. Porém, do outro lado, os representantes do setor produtivo argumentam que a alta do imposto terá impacto em diversas atividades.
O secretário ressaltou que a proposta, apresentada em 2023 e rejeitada pela ALRN na ocasião, volta a ser debatida neste ano com a expectativa de um desfecho diferente. “Essa matéria é de Estado, muito mais do que de governo, pois afeta a capacidade financeira do Executivo e a transferência de 25% do ICMS para os municípios. É uma questão que impacta todos os poderes e interessa a toda a sociedade”, destacou.
Xavier enfatizou que a rejeição do aumento no ano anterior agravou a situação fiscal do Estado, contribuindo para dificuldades de caixa que se traduziram em atrasos nos pagamentos a fornecedores e crises na saúde pública. “Todos estão acompanhando os desafios que enfrentamos este ano, com atrasos no pagamento de fornecedores, especialmente na saúde. Esse aumento não é apenas necessário, mas urgente, para garantir que o estado consiga honrar seus compromissos básicos”, afirmou.
Impacto no setor produtivo
Representantes do setor produtivo também expuseram preocupações com os impactos diretos do aumento do ICMS nos preços e na atividade econômica. Paolo Passariello, presidente da Abrasel-RN, destacou a dificuldade de repassar custos para os consumidores. “Já enfrentamos altas significativas nos preços de insumos, como carne, que subiu até 40%. Um novo aumento do ICMS vai agravar ainda mais essa situação, elevando o custo para os consumidores e prejudicando diretamente nosso setor, que já opera com margens reduzidas”, afirmou.
José Vieira, da Federação da Agricultura e Pesca (Faern), alertou para o peso da carga tributária na cadeia produtiva. “Não é transferindo o aumento para a sociedade que resolveremos os problemas do estado. A agropecuária, assim como outros setores, já enfrenta custos elevados. Quem paga essa conta é o consumidor final. Precisamos de uma repactuação fiscal que equilibre o orçamento sem penalizar ainda mais a população”, disse.
Tribuna do Norte
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