quarta-feira, dezembro 28

ARTIGO - EU NÃO GOSTO DE VOCÊ, PAPAI NOEL!

 

Voltando as minhas leituras matinais, encontrei em meus alfarrábios um bilhete endereçado a papai Noel de autoria de Ademar Buarque de Paiva, datado de 20 de julho de 1925, leitura está recomendada pelo meu amigo Advogado e intelectual Evandro Borges.
EU NÃO GOSTO DE VOCÊ, PAPAI NOEL!
Também não gosto desse seu papel de vender ilusões a burguesia, se os garotos humilde da cidade soubesse do seu ódio a humildade, jogavam pedra nessa fantasia.
Você talvez nem se recorde maís. Cresci depressa, me tornei rapaz, sem esquecer no entanto, o que passou fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente e a noite inteira eu esperei, contente. Chegou o sol e você não chegou.
Dias depois, meu pobre pai, cansado, trouxe um trenzinho feio, empoeirado, que me entregou com certa excitação. Fechou os olhos e balbuciou: " É pra você, papai Noel mandou". e se esquivou, contendo a emoção.
Alegre e inocente nesse caso, eu pensei! que meu bilhete com atraso, chegara em suas mãos no fim do mês. Limpei o trem, dei corda, ele partiu dando muitas voltas, meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez.
O resto eu só pude compreender quando cresci e comecei a ver todas as coisas com realidade. Meu pai chegou um dia e disse a seco: "Onde é que está aquele brinquedo? Eu vou trocar por outro na cidade".
Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar e como quem não quer abandonar um mimo que nos deu, quem nos quer bem, disse medroso: O senhor vai trocar ele? Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele e por favor, não levar.
Meu pai calou-se e pelo rosto veio descendo um pranto que, eu ainda creio, tanto e tão sinto, só Jesus chorou! Bateu a porta com muito ruído, mamãe gritou ele não deu ouvidos saiu correndo e nunca mais voltou.
Você, Papai Noel, me transformou num homem que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos, afinal, dos seus presentes, não há um que sobre, para a riqueza do menino pobre, que sonha o ano inteiro com o Natal.
Meu pobre pai doente, mal vestido, para não me ver assim desiludido, comprou por qualquer preço uma ilusão, e num gesto nobre, humano e decisivo, foi longe pra trazer-me um lenitivo, roubou o trem do filho do patrão.
Pensei que viajara, no entanto depois de grande, minha mãe em prantos, contou-me que fōra preso e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia. Foi definhando, até que Deus um dia, entrou na cela e o libertou para o céu.
CHICO TORQUATO

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