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A Câmara dos Deputados saiu à procura de ex-parlamentares que deixaram seus mandatos com dívidas. Os débitos vão desde recursos recebidos indevidamente a extravio de notebook e móveis e falta de pagamento de contas de água e luz de apartamentos funcionais.
Na atual legislatura, a Casa já publicou pelo menos dez notificações no Diário Oficial da União para registrar as dívidas, justificando que adotou esse método pois esses ex-deputados estão “atualmente em local incerto e não sabido”.
Parte deles reclama justamente de não ter sido contatada oficialmente. Alguns alegam terem quitado a dívida e também há quem siga a lógica popular do “devo, não nego, pago quando puder”.
Deputados federais têm atualmente salário de R$ 44 mil mensais, o máximo previsto pela Constituição para o serviço público. Também contam com uma cota para custear passagens aéreas, abastecimento de carros e manutenção de escritórios nos locais onde são suas bases.
Podem ainda ocupar um apartamento funcional em Brasília ou então receber um auxílio-moradia.
O ex-deputado federal Nelho Bezerra (União Brasil-CE) foi alvo recente de duas notificações publicadas no Diário Oficial da União, uma em junho e outra no fim de outubro deste ano.
A Câmara cobra dele R$ 3.208,15 referentes a “débitos da devolução de valor recebido indevidamente”, em razão de seu afastamento como suplente de deputado, ainda em julho de 2022.
“Pretendo pagar, sim. Só não estou podendo no momento. Obrigado pela atenção e feliz Natal”, respondeu à Folha ao ser questionado sobre as dívidas.
Perguntado por qual motivo não poderia efetuar o pagamento, disse: “Sem dinheiro no momento”.
Nelho Bezerra assumiu como suplente em 2022. Ganhou destaque por suas falas exaltando lealdade ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em plenário, chegou a pedir que o então presidente o considerasse como um filho.
“Então, meu presidente, você tem F4, os quatro filhos por sangue. E tem o [deputado] André Fernandes, do meu Iguatu [CE], o quinto, por adoção. E eu aqui com a minha pequenez, meu presidente, eu lhe peço humildemente: deixa eu ser seu F6”, afirmou na tribuna da Casa.
A maior parte das dívidas cobradas dos ex-deputados refere-se a contas não pagas nos apartamentos funcionais que ocupavam durante os seus mandatos, como de água, luz e outras taxas. É o caso do ex-deputado Jones Moura, que tem uma dívida de R$ 1.876,71 com o Parlamento.
Além dos débitos de contas do consumo no imóvel funcional que ocupou, a notificação da Câmara dos Deputados também fala em valor recebido indevidamente em razão do seu afastamento como suplente, em janeiro deste ano.
O ex-deputado reclama que não recebeu nenhuma notificação oficial e ficou sabendo dos débitos por meio do contato da Folha. Falou que iria se inteirar das pendências para “pagar logo” e acrescentou que o valor “é coisa pouca”.
“Porém ressalto que estou na quarta suplência pelo PSD e, pela rotatividade dos secretários do governo municipal do Rio de Janeiro, de vez em quando, estou retornando para o mandato”, afirmou.
“Caso eu retorne, o que pode acontecer em breve, havendo pendências, vão descontar nos meus salários. Se não, estarei quitando à distância mesmo”, declarou.
Disse que, assim que tomar conhecimento oficialmente e verificar a “veracidade dos cálculos efetuados”, efetuará o pagamento “o mais breve possível”.
A ex-deputada Aline Gurgel (Republicanos-AP) também aponta que não foi informada pela Câmara para que tomasse ciência dos débitos. A sua dívida seria de R$ 3.535,85, referente a contas do imóvel funcional que ocupava.
Ela enviou para a Folha o comprovante da transação bancária para a Câmara dos Deputados, no valor dos seus débitos, no dia 4 de novembro —pouco mais de dez dias após a publicação da dívida no Diário Oficial da União.
Aline Gurgel foi candidata à Prefeitura de Macapá nas últimas eleições municipais. Ela terminou em terceiro lugar, com 3,71% dos votos. O pleito foi vencido no primeiro turno por Doutor Furlan (MDB).
Além das dívidas deixadas no apartamento funcional, o ex-deputado Nilson Pinto de Oliveira (PSDB-PA) é cobrado também por não ter restituído à Câmara um notebook. Ele é cobrado em R$ 2.217,44.
Oliveira afirmar desconhecer essas pendências. Diz que encerrou seu sexto e último mandato em janeiro de 2023 e que todas as despesas com o apartamento funcional eram “automática e religiosamente descontadas do meu salário, a cada mês, pela própria Câmara”.
“Também desconheço a suposta pendência relativa ao citado notebook. Informo que nunca recebi qualquer notificação da Câmara a respeito desses assuntos”, afirmou.
Ele acrescenta que entrou em contato com a Câmara solicitando esclarecimentos, que teriam prometido encaminhar por email, “que, aliás, sempre foi do conhecimento deles”.
Já o ex-deputado paranaense Delegado Francischini, que foi de partidos como PSDB e PSL, havia sido cobrado no fim da legislatura passada em R$ 5.009,26, referente a “débitos de extravio de bens”. Ele afirma ter pagado “há muito tempo essa dívida”. Acrescentou achar que se tratava de “alguns móveis que não foram encontrados em uma mudança de gabinete e liderança de partido”.
A Câmara dos Deputados foi procurada mas se recusou a informar o número total de ex-deputados que estão com dívidas em aberto, o valor integral e quais já quitaram seus débitos. A Casa presidida por Arthur Lira (PP-AL) sugeriu abrir um processo para obter essas informações por meio da Lei de Acesso à Informação.
Folha de São Paulo
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